Opinião

Pantufa: ser ou não ser?

Por Elton Duarte Batalha
Advogado, doutor em Direito e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Está em julgamento, pela 3ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), um caso que retrata as dificuldades para o empreendedorismo no Brasil. A discussão refere-se à natureza do calçado Crocs. A resposta a tal questão pode redundar no pagamento de relevante valor aos cofres públicos pela pessoa jurídica responsável pelo produto, dada a determinação contida na Resolução nº 14, de 4 de março de 2010, pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), aplicando direito antidumping (de 13,85 dólares por par) ao rol de produtos importados da China classificados sob a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) 6402 a 6405. Desse rol, exclui-se a imposição da medida aos calçados domésticos (pantufas), conforme estipulado no artigo 1º, parágrafo único, V, da referida Resolução.

A situação propicia a reflexão sobre aspectos que relacionam o Direito e a Economia. Independentemente do caminho a ser tomado pelo órgão decisor, a questão é anterior ao posicionamento a ser adotado em julgamento e atine à insegurança jurídica causada pelo regramento nacional em diversas áreas. A consideração dos efeitos econômicos de questões aplicadas no campo jurídico, seja no momento de elaboração, fiscalização ou cumprimento de normas, é fenômeno crescente em vários países, não sendo diferente no Brasil.

No caso sob análise, a qualificação jurídica do produto pode levar ao pagamento ou não de juros de mora, à multa e aos direitos antidumping. Evidentemente, se houver reconhecimento de tal dívida, a pessoa jurídica deverá pagá-la, mas a reflexão é sobre a origem da situação: que tipo de legislação o Brasil produz a ponto de criar a prosaica dúvida a respeito da natureza jurídica de um Crocs (se sandália de borracha _ NCM 6402 _ ou se calçado impermeável _ NCM 6401)? Não seria um sintoma de algo muito maior, presente em outros campos, como o excesso de formalidade? O excesso de normatização na seara jurídica atende ao escopo fundamental da pacificação social ou serve como obstáculo para tal intento, com efeitos deletérios sobre o desenvolvimento econômico nacional?

A insegurança jurídica não é um mero detalhe, pois a litigância provocada pelo regramento representa custos elevados a todos os interessados no desenvolvimento do país. O montante utilizado em tal situação poderia ser melhor alocado em atividade produtiva, o que representa custo de oportunidade (mesmo em caso de vitória no litígio). A observação do referido panorama desestimula tanto o agente que já está engajado no processo produtivo, como o potencial investidor, que desiste de colocar seus recursos em um país cujo ambiente institucional parece-lhe hostil. Com menor volume de investimento, há uma perda generalizada para o país, pois há menos empregos, menor estímulo ao mercado consumidor, redução no pagamento de tributos e, consequentemente, menor disponibilidade de recursos para o ente estatal prestar os diversos serviços públicos.

Portanto, a questão que dá título ao texto propõe a reflexão sobre a situação historicamente percebida no Brasil que consiste na imposição de dificuldade ao espírito empreendedor, seja um luminar como o Barão de Mauá, seja um pequeno investidor. Enquanto o país não resolver suas macroquestões, continuaremos a observar se o calçado Crocs é uma pantufa ou não. Ser ou não ser? Eis a questão.

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